Índice
1. Resumo
Helena, Francisco e Tomás (9 anos) em 4 dias e meio em Roma no final de junho e princípio de julho de 2023, em trânsito para Israel e para a Jordânia. Nesta cidade, passámos por pontos incontornáveis da grandiosidade do império romano, e também da implantação do cristianismo e do poder do papado, manifestado sobretudo nos muitos marcos do período barroco.
Cidade com 7 igrejas que são destino de peregrinação, das quais visitámos 3, e muitas outras com diversos pontos de interesse, incluindo obras de arte, obriga o turista a ser seletivo sob risco de passar os dias inteiros só a ver igrejas. Mesmo assim, visitámos a quantidade suficiente de igrejas para merecer protestos do Tomás …
O centro de Roma é um museu a céu aberto, com múltiplas fontes e estátuas dos melhores artistas renascentistas e barrocos que recompensam o esforço de caminhar quilómetros e mais quilómetros nas suas ruas. No que respeita a obras de arte, também visitámos o Museu do Vaticano e a Galeria Borghese, onde pudemos apreciar as esculturas de Bernini que foi o ponto alto destes dias passados em Roma.
Finalmente, não deixámos de ir às catacumbas, onde os corpos dos cristãos eram sepultados no início do primeiro milénio, e percorremos parte da Via Appia Antica, com os seus múltiplos palácios e túmulos à beira da estrada.
Não visitámos o Coliseu nem o Forum, apenas os vimos de fora, por não termos conseguido comprar bilhetes; a venda online é feita com um mês de antecedência (os bilhetes esgotam rapidamente e já não visitámos o site a tempo) e a compra no local não se proporcionou.
2. Custos
Roma é uma cidade cara, sobretudo na alimentação; só tendo comido uma vez num restaurante digno desse nome, gastámos 19€ por dia por pessoa. Este valor está ao nível do que gastámos em Israel e na Eslovénia, onde comemos em restaurantes 50% e 80% das refeições (almoços e jantares), respetivamente.
Nas atividades, gastámos 14€ diários por pessoa, equivalente ao que tínhamos gasto na Croácia e em Londres no ano anterior.
O alojamento custou-nos 95€ por dia (ao nível de Israel e quase 50% acima de Londres), num local nos limites da distância para se ir a pé para o centro da cidade.
As deslocações sairam mais em conta, 9€ por dia para os três, que incluem o autocarro e uma viagem de táxi.
Diário
dia 1 (28/6), Praça Navona, Via Giulia e Trastevere
Aterrámos em Roma à hora prevista, 13:00. Saímos rapidamente, uma vez que só viajamos com malas de cabine, e fomos para a paragem do Airlink que nos levaria à estação de comboios de Ciampino. O Airlink das 13:40 não apareceu, pelo que esperámos mais meia hora … não foi uma chegada impressionante a uma capital europeia. Chegámos a Termini pouco depois das 14:30 e apanhámos um táxi para Trastevere, onde ficámos alojados.
Depois de irmos ao supermercado e de comermos, saímos para um passeio pouco antes das 17:00. Tínhamos o objetivo de visitar o Panteão que fica a uns 3 km do apartamento, pelo que fomos andando por Trastevere tendo atravessado o rio Tibre pela ponte Garibaldi, no extremo nascente da ilha Tiberina. Apercebemo-nos depois que tínhamos seguido por uma das vias de circulação principais de Trastevere, pelo que não vimos as partes mais interessantes deste bairro.
Chegámos ao Panteão 3/4 de hora antes do seu fecho, havendo uma fila enorme que saía da Piazza della Rotonda e entrava pela Via Pastini. Decidimos deixar o Panteão para outro dia e, depois dum pouco sentados no degrau da fonte a observar a multidão, seguimos para a Piazza Navona.
A Piazza Navona fica numa antiga arena de corridas, de que mantém a forma original com um implantação de aproximadamente 300 m por 50 m, arredondada nos topos. Cercada por belos edifícios barrocos, em que se destaca a igreja de Santa Inês em Agone (Agone, agonias em português, designa o local onde se realizavam festas ou jogos públicos). A remodelação desta praça foi feita por Bernini sob o patrocínio do Papa Inocêncio X. Nela estão 3 fontes: a Fontana di Nettuno e a Fontana del Moro (nos extremos norte e sul, respetivamente) e Fontana dei Quattro Fiumi (Fonte dos Quatro Rios) ao meio.
A Fonte dos Quatro Rios é a maior das 3 fontes na Praça Navona, estando nela representados 4 rios: os rios Nilo, da Prata, Ganges e Danúbio, que simbolizam a presença da Igreja Católica nos 4 continentes conhecidos na altura. Cada rio é representado por uma estátua duma divindade rodeada por elementos que remetem para cada um dos locais: um véu na cabeça da estátua para o Nilo (referência ao desconhecimento do local da sua foz), um monte de moedas para o Rio da Prata (a representar a riqueza do novo mundo), um cavalo para o Danúbio (simbolizado as planícies da Europa central) e um remo para o Ganges (representante a sua navegabilidade). Por cima da fonte, foi colocado um obelisco que havia sido retirado do Circo de Maxêncio na Via Appia Antica (que haveríamos de ver uns dias mais tarde), com uma pomba de bronze no topo (emblema da família Pamphili, a que pertencia o Papa).
Visitámos também igreja de Santa Inês em Agone e seguimos para o Campo dei Fiore onde havia um mercado na idade média. No centro desta praça, está a estátua de Giordano Bruno, monge dominicano que se dedicou à teologia, filosofia, astronomia e matemática; entre outras coisas, considerava que o universo era infinito, umas das heresias que lhe valeu ser queimado vivo nesta neste local em 1600, umas de muitas execuções que aqui aconteceram.
Mais à frente, entrámos na Via Giulia, mais ou menos a meio, e seguimos para sul em direção à ponte Sisto. Esta rua foi construída no século XVI por Bramante para o Papa Júlio II, uma das primeiras ruas do Renascimento, que dividia o emaranhado de vielas medievais de Roma. Nela estão várias igrejas e palácios. Um deles é o Palácio Farnese (onde hoje funciona a embaixada de França), de onde parte um arco que atravessa a Via Giulia. Este arco fazia parte dum projeto de Miguel Ângelo para ligar o Palácio Farnese à Villa Farnesina, do outro lado do rio, projeto que ficou por concluir.
Passámos para a outra margem do rio e atravessámos Trastevere, desta vez seguindo pelas ruelas estreitas típicas deste bairro, cheias de esplanadas e de vida. Ainda passámos pelo Tempietto de Bramante mas teríamos de esperar meia hora pela próxima visita; já sendo hora de jantar, preferimos seguir para o apartamento.
Comprámos comida num restaurante take away lá perto, Cotto e Portato (nota 5), estava tudo muito bom e foi bastante barato: pagámos 21€ por tudo (comida e bebidas) e ainda sobrou para o dia seguinte.
dia 2 (29/6), locais marcantes do cristianismo
Inicialmente, tínhamos pensado estar na bilheteira do Coliseu pelas 8:30 para tentar comprar bilhetes. No entanto, como não nos apeteceu acordar tão cedo, decidimos fazer o périplo das igrejas e similares na zona sudeste da cidade muralhada.
Apanhámos o autocarro 3NAV até à paragem Manzoni/Merulana, a cerca de 500 m da Scala Santa e da catedral de Roma, a Basilica di San Giovanni in Laterano.
Como tínhamos a noção que não faríamos mais do que 2 viagens de transportes por dia (uma no princípio e outra no final do dia), optámos por pagar o bilhete simples (1,50€, válido durante 75 minutos) em vez de comprar o passe (7€ por dia por pessoa). Estes bilhetes podem ser comprados em quiosques ou em tabacarias espalhados pela cidade ou podem ser pagos no próprio autocarro com cartão bancário contactless. Optámos por esta opção, bastante funcional e flexível; a única questão é que é necessário usar um cartão diferente para cada passageiro.
O Pontifício Santuário da Escada Santa (Scala Santa), contém os 28 degraus do pretório de Pilatos, protegidos por tábuas de madeira, que (segundo a tradição) Jesus terá subido durante a sua Paixão, que foram transportados de Jerusalém por Santa Helena, mãe do imperador Constantino. Colocada inicialmente no Palácio de Latrão, antiga sede dos Papas, a escada foi posteriormente colocada à frente da capela papal do “Sancta Sanctorum”, também conhecida por capela de São Lourenço, onde se encontra atualmente. Esta capela, oratório privado dos Papas até ao Renascimento, que está protegida por enormes grades no topo da Escada Santa, contém uma imagem de Jesus (imagem aqueropita, que terá sido feita por São Lucas com a ajuda dum anjo), uma coleção de relicários de ouro, prata e marfim; durante alguns séculos, aqui estiveram também as cabeças dos santos apóstolos Pedro e Paulo que, no século XIV foram transportadas para o altar mor da Basílica de São João Latrão (San Giovanni in Laterano).
De acordo com normas da Igreja de 2017, pode-se receber indulgência uma vez por dia subindo a Escada Santa, meditando na Paixão de Cristo, confessando-se e recitando as orações do Pai Nosso, Avé Maria e Glória. A subida da Escada Santa só pode ser feita de joelhos, tradicionalmente acompanhada de orações específicas para cada degrau. Em alternativa, há duas escadas laterais que dão acesso à capela do “Sancta Sanctorum”.
Praticamente em frente ao santuário da Escada Santa, ficam o Palácio e a Basílica de São João Latrão. A Basílica foi construída por Constantino na sequência da sua vitória sobre as tropas de Maxêncio, sendo ainda a catedral de Roma e a igreja-mãe de toda a cristandade, conforme está inscrito na sua fachada. O palácio adjacente foi a residência oficial do Papa até à sua transferência para Avinhão. A basílica é uma das 7 igrejas destino de peregrinação em Roma, a primeira das 3 que visitámos nestes dias. Sem ter o luxo dos elementos decorativos da Basílica de São Pedro, não a achámos menos imponente, com as suas cinco naves, o seu altar papal com um belo baldaquino e uma volumetria enorme.
Pretendendo continuar naquela zona e não desejando perder muito tempo com o almoço, decidimos comer no Burguer King situado no outro lado da Muralha Aureliana.
Depois do almoço, seguimos para a segunda igreja de peregrinação de Roma: Santa Croce in Gerusalemme. Esta igreja foi fundada por Santa Helena nas terras do seu palácio, contendo várias relíquias da Paixão de Cristo, trazidas por ela de Jerusalém, como pedaços da cruz de Cristo, parte da inscrição de Pôncio Pilatos (Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus”, I.N.R.I), dois espinhos da coroa de Cristo ou um dos pregos usados na crucificação. Estas relíquias estão expostas numa capela dedicada a esse fim. O fresco abissal sobre o altar, pintado por Rubens, ilustra Santa Helena a recuperar as relíquias em Jerusalém.
Na foto abaixo, estão as relíquias seguintes (de cima para baixo, da esquerda para a direita): 1) falange mumificada de São Tomé, 2) fragmentos da coluna de flagelação, 3) espinhos da coroa, 4) fragmentos da cruz do Bom Ladrão , 5) fragmentos da cruz de Cristo , 6) prego usado na crucificação , 7) inscrição de Pilatos.
Achámos esta zona da cidade estranhamente vazia, com uma quantidade de turistas muito inferior à que tínhamos visto no dia anterior perto do panteão e na Praça Navona. Aparentemente, esta zona da cidade fica um pouco fora de mão para a maior parte dos turistas, a 2 km do coliseu, a mais de 3 km da Fonte de Trevi e a quase 6 km do Vaticano. Sendo verdade que há uma grande concentração de pontos de interesse noutras zonas de Roma, este desequilíbrio na procura de locais tão marcantes para a nossa civilização parece inacreditável. Por exemplo, chegámos a estar sozinhos na capela das relíquias da Paixão de Cristo e na própria igreja de Santa Croce in Gerusalemme.
Seguimos para a basílica dos Quatro Santos Coroados (Santi Quattro Coronati), inserida num convento agostiniano, construída em honra de 4 soldados cristãos martirizados por Diocleciano. O espaço está num estado de degradação avançada, muito escuro e pouco convidativo, apesar de aparentar estar em normal funcionamento. O principal ponto de interesse é a capela de São Silvestre com frescos de autor desconhecido que ilustram a “Doação de Constantino”, documento forjado no século VIII ou IX em que Constantino determina a supremacia do poder papal sobre o de qualquer imperador, que serviu de pretexto para legitimar o exercício agressivo do poder do Papa durante a Idade Média. Nestes frescos, pode ver-se Constantino a recuperar de lepra, a ser batizado pelo Papa Silvestre, a entronizar o Papa e a conduzir a pé um cavalo montado pelo Papa numa postura de submissão.
Descobrimos a capela facilmente mas a porta estava fechada e não vimos ninguém que nos pudesse ajudar. Ficámos ali um bocado a descansar e a consultar o mapa quando, pouco depois, chegaram uns quantos turistas que entraram na capela depois do clique que destrancou a porta. Percebemos então que por trás duma pequena janela no lado oposto da porta da capela, estava uma freira de clausura que tinha sido chamada por uma campainha tocada pelos outros turistas, que nos convidou a fazer um donativo para visitarmos a capela. A visita foi interessante mas a capela está mal conservada, o que é uma pena.
Relativamente perto da basílica dos Quatro Santos Coroados fica a basílica di Santo Stefano Rotondo al Celio. Uma das primeiras igrejas cristãs de Roma, construída no século V com uma planta circular, crê-se que inspirada na capela do Santo Sepulcro em Jerusalém. As paredes desta igreja estão cheias de frescos com um vasto registo de cenas de martírio de cristãos; o próprio Santo Estêvão, que dá nome à igreja, foi o primeiro mártir cristão. Estas pinturas foram feitas no final do século XVI, numa manifestação extrema dos valores da contra reforma que evoca a resistência heróica dos católicos. Esta antologia contém 24 painéis, cada um com o nome do imperador da altura da cena retratada, começando à entrada com a crucificação de Cristo e o apedrejamento de Estêvão.
Seguimos para o Coliseu e parámos na fila da bilheteira pelas 17:45, pensando em aproveitar aquela oportunidade inesperada para visitar o Coliseu e o Forum. No entanto, passados 5 minutos anunciaram que já não era possível visitar o Coliseu mas que poderíamos comprar o bilhete e visitar o Forum pelo mesmo preço da visita conjunta ao Coliseu e ao Forum … nem um desconto que se visse. Para visitar o Coliseu, teríamos de voltar no dia seguinte que só vendem bilhetes para o próprio dia. Declinámos a oferta e seguimos ao longo do Forum em direção ao Capitólio.
O nome do Coliseu (Colosseo) tem a ver com o colosso que existia previamente naquele local: uma enorme estátua de bronze de Nero na entrada da mansão que mandou construir nesta zona.
Para as ruínas que vemos atualmente, contribuíram um relâmpago que atingiu a estrutura no século III e dois tremores de terra no século V, embora o maior impacto tenha resultado da extensa retirada de pedras para utilização noutros locais (por exemplo na escadaria da Basílica de São Pedro).
Parámos um pouco para apreciar a coluna de Trajano, igual à coluna de Marco Aurélio que haveríamos de ver no dia seguinte e seguimos para o alojamento.
O Francisco e o Tomás foram comer ao Billy Tacos (nota 3), a Helena preferiu não sair para jantar.
dia 3 (30/6), Bernini e Roma antiga
Começámos a manhã visitando alguns dos locais de Roma onde Bernini deixou a sua marca. Gian Lorenzo Bernini foi um artista barroco multifacetado que se distinguiu como arquiteto e como escultor. Os seus trabalhos de arquitetura mais emblemáticos são a Praça de São Pedro, no Vaticano, e a remodelação Piazza Navona. Como escultor, realizou as obras de arte que decoram algumas das principais fontes e praças de Roma e desenvolveu um estilo que transmite movimento e agitação nas obras privadas que lhe contrataram.
Uma dessas obras é a estátua de Santa Teresa em êxtase que mostra Santa Teresa de Ávila (fundadora das Carmelitas) a levitar numa nuvem em manifestação de extrema emoção com os olhos fechados e a boca entreaberta, recetiva à ação do anjo que lhe espeta uma flecha. Esta obra está na capela Coronaro da Igreja de Santa Maria da Vitória (pertença da Ordem das Carmelitas); foi encomendada pelo Cardeal Patriarca de Veneza Federigo Coronaro, em sua honra e da sua família, estando 8 membros da família Coronaro representados nas paredes laterais da capela fascinados com a cena que acontece à sua frente.
Seguimos para a Piazza Barberini (Papa Urbano VIII, que patrocinou muitos trabalhos de Bernini), no meio da qual está a Fonte do Tritão. Nela, sobre uma concha gigante assente em 4 golfinhos está um tritão a soprar água para o ar que se espalha à sua volta.
Mais à frente, fica a Praça de Espanha de onde parte a imponente escadaria (Scalinata di Spagna) que a une à Igreja Trinità dei Monti. No meio da Praça está mais uma obra de Bernini, a “Barcaccia”: Provavelmente a sua escultura mais antiga, representa um barco cuja base está submersa num lago.
A paragem seguinte foi a Fonte de Trevi, cujo projeto inicial também teve o contributo de Bernini. Construída no ponto terminal do aqueduto de Acqua Virgo (do final do século I a.c.), representa Neptuno sobre uma concha puxada por dois cavalos controlados por dois tritões. Esta enorme fonte enche completamente uma pequena praça, fazendo-a parecer ainda maior. Àquela hora (12:30) estava pejada de turistas, sentados a observar a fonte ou a lançar as moedas da praxe para dentro dela.
A caminho do restaurante onde almoçámos, ainda passámos pela Coluna de Marco Aurélio. À semelhança da Coluna de Trajano, a de Marco Aurélio celebra as campanhas militares do imperador, neste caso contra as tribos germânicas na região do Danúbio no século II. Em todo o perímetro dos seus mais de 30 m de altura, foram colocados baixos relevos com representações de batalhas, e de outras atividades relacionadas com a campanha, num contínuo em forma de espiral impossível de ser lido pelo turista.
O interior da coluna é oco, tendo uma escada em espiral que permite subir até ao topo, onde foi originalmente colocada uma estátua do imperador (tal como na Coluna de Trajano). No entanto, no final do século XVI, o Papa Sisto V decidiu colocar uma estátua de São Paulo no topo da Coluna de Marco Aurélio e outra de São Pedro no topo da Coluna de Trajano.
Almoçámos na Taverna del Seminario (nota 3), onde comemos batata frita com Pecorino (muito bom) de entrada, macarrão com pecorino, bacon e tomate (ala matriciana), pasta ala bolognese e salada César. Foi a refeição mais cara em Roma mas a qualidade não correspondeu ao preço.
Depois do almoço, fomos visitar o Panteão. Desta vez a fila de entrada era bastante mais pequena do que dois dias antes e estava visivelmente com um bom ritmo de entrada.
O Panteão atual foi construído no princípio do século II por ordem de Adriano, para substituir o Panteão original (do tempo de Augusto) que ardeu num incêndio em 80 d.c. É, atualmente o edifício romano da antiguidade mais completo e funcional, sendo também o arquétipo da arquitetura romana: em contraste com a a utilização dos elementos direitos, típicos das construções gregas, esta e outras construções romanas utilizam a qualidade maleável da argamassa para introduzir elementos curvos, de que a abóbada do Panteão é um exemplo extremo. Pontuada com caixotes ocos que reduzem o peso da estrutura e rematada com um óculo no topo que permite ver o céu e iluminar o interior, é impossível passar despercebida a quem entra neste edifício (na Basílica de São João Latrão há uma idêntica, embora bem mais pequena).
O hábito de colocar restos mortais de pessoas ilustres neste edifício teve origem na decisão do Papa Bonifácio IV de colocar um vasto conjunto de relíquias e ossadas de mártires cristãos por baixo do altar, na altura da dedicação do edifício à Virgem e aos mártires. Sendo considerado um símbolo de perfeição artística, o próprio Rafael manifestou a sua vontade de ser sepultado aqui, como veio a acontecer. Além do túmulo de Rafael, encontram-se aqui os túmulos reais de Vittorio Emanuele II (o primeiro rei de Itália), do seu filho Umberto I (segundo rei de Itália) e da rainha Margherita (mulher de Umberto I, que deu o nome à “pizza Margherita”), bem como muitos outros santuários.
Fomos espreitar a Piazza della Minerva, onde está uma escultura dum obelisco equilibrado em cima dum elefante, e a igreja de Santa Maria sopra Minerva, onde (entre inúmeras obras de arte) está uma estátua de Miguel Ângelo, representando Cristo a segurar a cruz.
De seguida, passámos pela Igreja San Luigi dei Francesi, em cuja capela Contarelli estão 3 pinturas de Caravaggio, e seguimos para a gelataria Giolitti (nota 5) onde comemos um belo gelado.
O ponto de paragem seguinte foi mais uma igreja (para desespero do Tomás): Il Gesù, a primeira igreja jesuíta de Roma. Esta igreja destaca-se pelos frescos barrocos nos tetos, em particular os da nave principal e o da cúpula que transmitem a ilusão de 3 dimensões. Numa das capelas laterais, a capela de Santo Inácio, estão uma estátua dourada do santo e uma urna de bronze com os seus restos mortais, por trás duma pintura, que são reveladas com a descida do painel com a pintura todos os dias a partir das 17:30, acontecimento que testemunhámos.
Um pouco mais para sul, está a Praça do Capitólio, projetada por Miguel Ângelo, no meio da qual está uma estátua de bronze de Marco Aurélio montado num cavalo que é cópia da original (atualmente no Palazzo Nuovo). Esta estátua é o único exemplar que chegou aos nossos dias (dum total aproximado de 20 existentes em Roma e muitas mais por toda a Itália) de estátuas pagãs em que o herói é apresentado como um semideus triunfante, no controlo do mundo animal. Na idade média, estas estátuas foram destruídas como ato de fé e de exercício de autoridade sobre o mundo pagão. Apenas esta de Marco Aurélio sobreviveu por ter sido confundida com uma estátua de Constantino, o primeiro imperador cristão.
Contornando o palácio do senado, chegamos a um miradouro de onde se obtém uma bela vista do Forum Romano com o Coliseu ao fundo.
Seguimos em direção ao rio, que atravessámos pela ponte Palatino. Desta ponte, é possível observar a Cloaca Máxima, ponto terminal do sistema de esgotos da Roma antiga. Caminhámos por Trastevere até ao Airbnb, com uma paragem no take away para um jantar tranquilo.
dia 4 (1/7), museu do Vaticano e Galleria Borghese
Tal como nos aconteceu com o Coliseu, tentámos comprar os bilhetes com 3 semanas de antecedência, mais tarde do que seria recomendável, altura em que já só havia bilhetes para este dia com visita guiada em espanhol (os outros dias já estavam esgotados). Tudo somado, a ida ao museu do Vaticano custou mais do dobro do que os bilhetes normais, incluindo uma taxa de reserva absurda.
Apanhámos o comboio na estação de Trastevere para uma viagem tranquila até 3 estações depois. O bilhete custou 1 € por pessoa, mais barato do que o do autocarro.
Durante pouco mais de 2 horas, vimos uma pequena fração do museu. A visita guiada acabou por ser bastante útil, uma vez que nos deu enquadramento para muitas das obras expostas que (doutra forma) nos passariam despercebidas, com especial enfoque nas salas de Rafael e na Capela Sistina, onde se encontra a saída do museu. O percurso seguido começou no pátio do Belvedere, rodeado de belas estátuas.
Uma delas, representa a personificação do rio Arno (que passa em Florença, considerado divino), numa pose tradicional, conforme o protótipo grego, sobre um sarcófago decorado com cenas de batalha entre gregos e amazonas. Este tipo de estátuas era muito utilizada para decorar os jardins da elite romana.
Outro exemplo é o conjunto de estátuas de Laocoonte e dos seus dois filhos lutando contra as serpentes enviadas para os matar pelo Deus Apolo. Aparentemente, Apolo terá ficado irado com o o sacerdote (Laocoonte) por ele ter manifestado aos troianos as suas suspeitas sobre o cavalo oferecido pelos gregos.
Seguimos para o piso de cima, onde passámos pelos sarcófagos de Helena e de Constança, mãe e filha do imperador Constantino, pela galeria das tapeçarias e pela galeria dos mapas, sempre no meio duma multidão. No fundo desta ala, no extremo oposto da entrada do museu, ficam as salas de Rafael e a Capela Sistina.
No início do século XVI, o Papa Júlio II ordenou que 4 das salas dos seus aposentos fossem pintadas por Rafael. A primeira destas salas no percurso dos visitantes do museu do Vaticano é a Sala de Constantino. Nas suas paredes estão representadas várias cenas da vida do primeiro imperador romano a reconhecer oficialmente o cristianismo. Entre elas, está a representação de um dos momentos mais marcantes da cultura ocidental: a batalha da ponte Mílvio, em que Constantino derrotou Maxêncio. Esta sala foi pintada depois da morte de Rafael que, no entanto, participou no seu planeamento, incluindo o esboço de algumas das pinturas.
Na terceira sala, a Sala da Assinatura (onde se reuniu um concílio), o tema dos frescos é a harmonia entre a cultura clássica e o cristianismo, destacando-se a cena designada por “A Escola de Atenas”. No centro deste fresco, Platão (de vermelho, a apontar para o céu) e Aristóteles (de azul a apontar para a terra) discutem a busca da verdade no meio dos adeptos de cada perspetiva (o abstrato e o concreto). Algumas personagens têm a cara de ilustres contemporâneos de Rafael: Platão, por exemplo, está representado com a cara de Leonardo da Vinci e Euclides com a cara de Bramante. Em lugar de destaque, ao centro, encontra-se Miguel Ângelo concentrado a rabiscar numa folha de papel.
A última sala, a Sala do Incêndio, que funcionava como sala de jantar e (posteriormente) como sala de música, contém representações em honra do Papa Leão X e algumas representações de eventos das vidas de outros papas homónimos (em particular, os papas Leão III e Leão IV). O quadro mais famoso desta sala é o “Incêndio de Borgo” que celebra o milagre atribuído a Leão IV que terá apagado o grande incêndio de 847 num dos bairros do Vaticano com um mero sinal da cruz. Nesta obra, Rafael faz a ligação com a fuga de Tróia com a representação em primeiro plano de Eneias a carregar o pai às costas.
Finalmente, chegámos à Capela Sistina, enorme e absurdamente cheia de visitantes, constantemente instigados pelos funcionários do museu a não pararem no sentido da saída. Foi uma experiência desagradável, em que foi impossível ver os frescos com atenção ou sequer tirar uma fotografia decente.
A Capela Sistina foi construída por ordem do Papa Sisto IV, que decidiu decorar as paredes com 12 painéis (6 de cada lado) com representações bíblicas da vida de Moisés (à esquerda do altar) e da vida de Cristo (do lado direito). Neste projeto, participaram os artistas mais brilhantes do final do século XV, como Perugino ou Botticelli. No início do século XVI, o Papa Júlio II forçou Miguel Ângelo a pintar o teto da capela com cenas do livro Genesis, trabalho que o artista fez bastante contrariado (não se tendo saído nada mal, apesar disso). Mais de 20 anos depois de concluir esta empreitada, foi a vez do Papa Paulo III obrigar o mesmo artista a pintar o fresco na parede sobre o altar com representação do juízo final.
Saídos do museu, seguimos para a Basílica de São Pedro, onde tudo é grande e imponente, não deixando ninguém indiferente. Mais do que um todo harmonioso, deu a sensação de ser uma coleção de trabalhos distintos, todos magníficos mas que roubam protagonismo uns aos outros. O exemplo que nos pareceu mais gritante é o baldaquino de Bernini, fascinante na sua exuberância mas que não se destacava por baixo da magnífica cúpula ou cercado daquelas naves e altares sumptuosos.
Passámos rapidamente pelas grutas, onde os papas são sepultados e saímos para a Praça de São Pedro.
A construção da Basílica atual foi iniciada no século XV, em substituição da antiga igreja do apóstolo Pedro, mandada construir por Constantino no local da descoberta duma ossada atribuída a São Pedro. Durante o reinado de vários papas, a nova Basílica foi sendo expandida, assim como o seu exterior, sempre com o objetivo de resultar no maior e mais notável símbolo do cristianismo. Uma das empreitadas mais emblemáticas foi a deslocação do obelisco atualmente localizado na Praça de São Pedro a partir da sua localização anterior, por trás da Basílica atual, tarefa que demorou vários dias e envolveu os esforços de 900 homens e 140 cavalos. Envolvendo o obelisco, Bernini projetou 4 linhas com um total de 284 colunas que simbolizam uns braços enormes que aparentam sair da fachada da Basílica como que a abraçar o mundo.
Tínhamos comprado bilhetes para visitar a Galeria Borghese às 16:00. Mais uma vez, fizemos a compra no prazo limite (com 3 semanas de antecedência), pelo que só arranjámos uns bilhetes para uma atividade para crianças, que incluía uma criança e dois adultos. Foi um pouco mais caro do que os bilhetes normais mas não havia mais opções disponíveis. (No final, não descobrimos atividade nenhuma, pelo que visitámos o museu normalmente.)
Fomos caminhando em direção à Piazza de Spagna que dá acesso aos jardins da Villa Borghese, onde fica a Galeria. De caminho, parámos na loja da Lego para um incursão rápida muito a gosto do Tomás e fizemos uma escala técnica no Pastificio Guerra para comprarmos o farnel que planeávamos comer nos jardins. O Pastificio Guerra (nota 4) é uma loja de fast food que naquele dia oferecia duas opções de pasta (a la matriciana e vegetariano) por 4,5€ a dose. Sem ser nenhuma especialidade, não estava pior que a pasta do dia anterior e o preço é verdadeiramente imbatível.
O céu estava carregado e mal nos deu tempo para acabarmos de comer antes de começar a chover com tanta intensidade que nos molhámos todos nos poucos segundos que demorámos a vestir os impermeáveis. Já a prever que iria chover durante o dia, levámos nas mochilas uns chinelos de meter o dedo para não molharmos os ténis nem as sandálias mas, assim que conseguimos vestir os impermeáveis, os pés já estavam encharcados, pelo que seguimos assim na direção da Galeria. Chegámos lá com tempo para trocar o calçado e nos prepararmos para o momento alto dos dias passados em Roma devidamente equipados com uns belos chinelos de meter o dedo.
A visita à Galeria Borghese é absolutamente obrigatória. Na nossa opinião, é aqui que se deve ir se só se puder fazer uma coisa em Roma. No segundo piso tem uma exposição de pinturas, em que se destacam alguns trabalhos de Caravaggio mas as jóias da coroa estão no primeiro piso: algumas das mais belas esculturas de Bernini.
A escultura que mais nos impressionou é o “Rapto de Perséfone” em que Perséfone (filha de Zeus e Deméter, deusa das colheitas) é levada por Hades para o submundo para ser a sua esposa. Nesta obra de arte, Perséfone tenta resistir de forma impotente, soltando uma lágrima que lhe escorre pela face; Hades agarra-a de forma implacável, cravando os seus dedos na coxa de Perséfone.
Noutra sala está um grupo de estátuas de Eneias acompanhado do seu filho Ascânio (que está por trás dele, não se vendo na foto abaixo), carregando o seu pai Anquise às costas a saírem de Tróia em chamas. Anquise transporta os deuses protetores do seu lar perdido no incêndio. Esta obra foi baseada no fresco de Rafael “Incêndio de Borgo” visto de manhã no museu do Vaticano e representa a ligação entre a infância, a idade madura e senilidade do ser humano, apoiando-se uns nos outros.
Destacamos ainda as estátuas “David”, no momento em se prepara para usar a funda, e “Apolo e Dafne”, ambas também de Bernini. Esta ilustra o episódio do livro um das Metamorfoses de Ovídio, em que a ninfa Dafne se transforma em árvore, por feitiço do seu pai, na expectativa de parar a perseguição movida por Apolo. Ambos tinham sido atingidos pelo Cupido; Apolo com uma seta de ouro que o impelia a perseguir Dafne e esta com uma seta de chumbo que a impedia de amar. A observação da obra de Bernini, feita enquanto se circula à sua volta, permite ver a transformação a acontecer; num dos ângulos vê-se Apolo quase a apanhar Dafne, sendo que do lado oposto se vê Apolo agarrado a uma árvore. Infelizmente, havia tanta gente à volta que não foi possível tirar uma fotografia decente. Neste link, pode ver-se imagens desta obra prima, bem como uma descrição dos seus pormenores.
Quando saímos estava uma bela tarde de sol, pelo que fomos caminhando em direção ao rio, perto do qual apanhámos o autocarro para casa.
dia 5 (2/7), catacumbas e Via Appia
Para o último dia em Roma, decidimos ir para a zona a sul das muralhas, com várias catacumbas onde os cristãos dos primeiros séculos eram sepultados. Assim, apanhámos um táxi e fomos visitar as catacumbas Domitilla, localizadas em terreno cedido pela nobre Flávia Domitilla à comunidade cristã.
Estas são umas das maiores catacumbas de Roma, cujas galerias têm aproximadamente 12 km de extensão dividas por 4 pisos e cerca de 15.000 corpos sepultados. As suas utilização e expansão aconteceram sobretudo entre os séculos I e III, impulsionadas pela sepultura dos mártires Nereu, Aquileu e Petronilla (alegadamente, filha de São Pedro) tendo sido construída uma basílica semi enterrada em honra dos dois primeiros. Nos séculos IV e V desenvolveu-se um cemitério à superfície, procurado por quem desejava ser enterrado perto das relíquias dos mártires.
Este tipo de catacumbas foi a solução encontrada pelos primeiros cristãos para satisfazer a sua vontade de não serem enterrados junto dos pagãos. A sua localização, a sul de Roma fora da cidade muralhada, inseria-se na vasta zona onde os romanos enterravam os seus mortos, sendo perfeitamente conhecida pelas autoridades. Consta que nos períodos de perseguição aos cristãos, estes se refugiavam nas catacumbas; sem prejuízo disso ter acontecido, tal terá sido pontual, uma vez que estas estreitas galerias sem ventilação e com as entradas seladas não teriam condições para albergar comunidades de seres humanos.
Também nesta zona está o extremo norte da Via Appia Antica, via de circulação de mercadorias, soldados, gado e ideias entre Roma e o Sul de Itália. Tem uma extensão de quase 600 km, ligando Roma à cidade portuária de Brindisi, à beira do Adriático. Em 2015, o governo italiano anunciou um plano para recuperar esta estrada e transformá-la numa via de peregrinação que terá sido percorrida, entre outros, por São Paulo quando se deslocou da Terra Santa até Roma. Curiosamente, o seu início ainda é desconhecido, apesar das várias tentativas do Ministério do pelouro de escavações em vários pontos da cidade.
Depois de sairmos das catacumbas, dirigido-nos para a Via Appia Antica de que percorremos alguns quilómetros em direção a sul. Esta parte da via era percorrida pelos romanos para enterrar os seus mortos, estando os campos à sua volta cheios de túmulos em ruínas, os mais importantes à sua beira. Sendo uma zona procurada pela elite romana, encontra-se também vários palácios como o de Maxêncio com o seu hipódromo privado, onde estave o obelisco atualmente na Praça Navona.
Parámos para comer umas sandes no Appia Antica caffè (nota 3) e continuámos a caminhada por mais um bocado até decidirmos virar em direção à Via Appia Nuova para apanharmos o autocarro de regresso ao centro de Roma.
Já em Trastevere, passámos no Billy Tacos para mais um take away. Jantámos e fomos dormir cedo, uma vez que teríamos de acordar às 2:45 para apanharmos o voo das 6:00 para Tel Aviv.