Índice
1. Resumo
Helena, Francisco e Tomás (10 anos) em 6 dias inteiros na Lituânia em julho de 2024, integrados numa viagem de várias semanas na zona do Báltico que também incluiu a Polónia, a Letónia e a Estónia.
Começámos por Trakai (A), onde passámos um dia. Seguiu-se mais um dia em Nida (C) precedido dum dia de transição em que passámos pela Colina das Cruzes (B). No final, estivemos 2 dias em Vilnius. Neste período, tivemos experiências diversificadas, com mergulhos em lago, praia e lagoa, muita beleza natural, ambiente de cidade e a mística Colina das Cruzes.
Para este itinerário, ficámos com a ideia que a península da Curlândia merecia uma visita mais prolongada, 3 ou 4 dias não seriam demasiados, e que mais um dia em Trakai também não seria descabido. Gostámos muito de Vilnius, cidade que nos pareceu interessante para morar, sensação rara fora do nosso país.
2. Enquadramento histórico
O território da Lituânia está bastante vulnerável a invasões por ser tão plano. Assim, ao longo dos séculos esta zona esteve sob a pressão da ordem dos Cavaleiros Teutónicos, que evangelizou toda esta zona, do reino da Suécia e dos impérios russo e alemão. Desgraçadamente, tal como no caso da Letónia, as frentes de batalha passavam no território da Lituânia, situação que se repetiu até ao século XX, incluindo nas duas guerras mundiais. Resumidamente, destaca-se os períodos seguintes da sua história:
Reino da Lituânia (1253 - 1263). A fundação do reino resultou da conversão ao cristianismo de Mindaugas cuja liderança unificou as várias tribos da região. Apesar de ter garantido a paz com a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos e possibilitado a realização de alianças com outros reinos cristãos, a questão religiosa nunca foi bem aceite pela nobreza que, passados 10 anos, assassinou o rei. A Lituânia voltou ao paganismo e o título de rei nunca mais foi utilizado.
Grande Ducado da Lituânia (1263 - 1386). Com o colapso do reino cristão, a Lituânia tornou-se num grande ducado pagão. Neste período, o território expandiu-se rapidamente, tendo-se o grande ducado tornado numa das maiores potências da Europa, controlando território da atual Bielorrússia, Rússia e Ucrânia, até ao ponto em que passou a ter dificuldade em lidar com os tártaros, com os russos e com os cavaleiros teutónicos.
União com a Polónia (séculos XV a XVIII). Precisando dum aliado para melhor poder proteger o seu vasto território, a Lituânia uniu-se com a Polónia com o casamento do Grão Duque com o “rei” da Polónia. Esta união também serviu os interesses polacos que atravessava uma crise de sucessão que resultou na coroação duma filha do falecido rei como “rei da Polónia” (uma vez que lei não previa a possibilidade de rainha mas era omissa relativamente à possibilidade de senhoras como “rei”) mas que só ficou devidamente resolvida com a união com a Lituânia e a ascensão do seu Grão Duque a rei da nova união, o que implicou o fim oficial do paganismo na Lituânia.
Esta união durou quase 4 séculos, tendo mais tarde evoluído de monarquia para república de duas nações (monarquia eletiva, mais precisamente). Nos períodos áureos esta união dominava um vasto território do Báltico até ao Mar Negro, correspondente à Polónia atual, aos 3 países bálticos, a parte da Bielorrússia e a grande parte da Ucrânia.
Domínio russo (do século XVIII até à Primeira Guerra Mundial). Com a degradação da União com a Polónia e a consequente partição do território desta entre a Prússia, a Austria e a Rússia, o território Lituano foi sendo absorvida pela Rússia, passando a fazer parte deste império durante quase 150 anos.
Primeira independência (1918 - 1940). No final da Primeira Guerra mundial, aproveitando o facto do território lituano estar sob controlo dos perdedores da guerra (Alemanha), foi possível negociar a restauração da independência que durou apenas cerca de 20 anos (em processos semelhantes ao que resultaram na independência da Polónia, da Letónia e da Estónia).
Ocupações nazi e soviética (1940 - 1989). Em 1940, a Lituânia foi anexada pela União Soviética como parte do pacto Molotov-Ribbentrop entre a Alemanha nazi e a URSS. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha ocupou este território e depois da guerra, a Lituânia foi anexada ao bloco soviético.
Segunda república (1989 até o presente). Com a queda do muro de Berlim, a Lituânia recuperou a independência e tratou rapidamente de aderir à NATO e à União Europeia.
3. Custos
Em termos de custos, a Lituânia está na mediana dos países visitados até agora na Europa em viagens do mesmo género, com um índice ponderado de 58. (Neste tipo de viagens, a Albânia foi a mais barata com índice 43 e a Croácia o mais caro com índice 80). Nesta viagem à zona do Báltico, a Lituânia revelou-se mais cara do que a Letónia (51) e a Polónia (52) e ligeiramente mais barata do que a Estónia (61).
O alojamento revelou-se mais caro do que nos países vizinhos, 58€ por dia, uma vez que tanto Trakai como Nida são bastante turísticos mas têm oferta limitada. Note-se que em Nida pernoitámos num barco na marina, solução com menos de metade do custo de qualquer opção numa casa ou num hotel.
As deslocações são a outra componente em que a Lituânia se revelou mais cara do que os outros países desta viagem, 50€ por dia para aluguer de carro, gasolina e estacionamento. Mesmo assim, uns Euros abaixo da Estónia (53€ por dia) mas bastante mais caro que a Polónia (25€ por dia) e que a Letónia (31€ por dia).
Os custos com alimentação foram de 18€ por pessoa por dia (com 54% das refeições em restaurante), alinhado com os restantes países desta zona.
As atividades ficaram em 4€ por pessoa por dia, valor típico dos países com muitas atividades ao ar livre e poucas a pagar.
4. Gastronomia
Durante a semana passada na Lituânia, experimentámos alguma da gastronomia local, da qual destacamos:
kibinas (si aviena) - pastéis recheados de carne ou com fruta. Comemos com recheio de borrego, típico de Trakai, com origem nos judeus karaítas que migraram da Crimeia para a Lituânia na idade média.
Bulvinai - panqueca de batata, tipo patanisca, normalmente servida com carne, com peixe ou só com um molho (sendo o molho de cogumelos bastante comum).
Sopa fria de beterraba - tipicamente servido com batatinhas cozidas com pele que deverão ser colocadas dentro da sopa e comidas em conjunto; combinação surpreendentemente agradável.
Cepalinai - pastéis de batata recheados com carne ou com queijo, com a forma de um zepelim que é a tradução literal do nome do pastel.
Peixe fumado - provámos pargo (bom) e lampreia (super).
Tiramisu de pistachio - indicado como típico de Trakai, é bastante interessante.
Foi raro o prato que não vinha carregado de funcho; a ver pela amostra, esta erva aromática tem um lobby forte na Lituânia.
Das várias cervejas experimentadas, a única que chamou a atenção é a Gubernija que bebemos nas versões ekstra lager e não filtrada, ambas muito boas. Também provámos a Gira, bebida não alcoólica da Lituânia, feita de centeio integral fermentado; tem um sabor um pouco áspero e adocicado que não nos cativou.
5. Diário
dia 1 (11/7), Varsóvia - Trakai
Chegámos a Vilnius à hora prevista (pouco depois das 16:30), depois de viagem de camioneta desde Varsóvia de mais de 8 horas que passaram sem darmos por elas. Apanhámos o autocarro para o aeroporto onde iríamos levantar o carro para seguirmos para Trakai, o nosso primeiro local de paragem na Lituânia.
Trakai é uma pequena vila a meia hora de Vilnius, localizada numa zona de Lagos e de floresta com paisagem magnífica. Tivemos a sorte de ficar alojados numa casa com acesso direto a uma praia num dos lagos e tratámos logo de ir dar um mergulho. O céu começava a ficar carregado mas a temperatura estava excelente, perto dos 25°C.
Fomos jantar no restaurante Le Vivier Trakai (nota 5), a 400m do alojamento, onde nos iniciámos na gastronomia lituana. Para entrada, pedimos kibinas si aviena (pastel recheado com borrego, típicos da zona de Trakai) e depois comemos bulvinai blynai su mesa ir grietine (panqueca de batata com carne e molho azedo), bulvinai blynai su sudita lasisa, patiekiami su zaliuoju varskes padazu (panqueca de batata com salmão) e vistienos malitnukas su bulviu piure svieziomis darzovemis bei pomidoru padazu (hambúrguer de frango com puré de batata) para o Tomás. Serviram-nos cerveja Gubernija ekstra lager (muito boa) e, para sobremesa, experimentámos o tiramisu de pistácio, indicado como sendo receita local. Estava tudo muito bom, embora as doses não fossem muito generosas.
Quando saímos do restaurante, estava a chover a potes. Apesar de estarmos preparados para chuva, chegámos ao alojamento com as pernas e os pés encharcados, uma vez que as poças de água eram mais do que muitas e os impermeáveis não cobriam as pernas.
dia 2 (12/7), Trakai
O dia começou escuro mas, rapidamente, as nuvens deram espaço para o sol aparecer.
Fomos caminhando até uma ilha onde fica um dos castelos de Trakai. Este castelo foi construído no final do século XIV pelo duque da Lituânia como fortaleza defensiva contra os Cavaleiros Teutónicos que ameaçavam constantemente Trakai, então capital da Lituânia. Rapidamente, transformou-se no centro político e militar das Lituânia, tendo sido também residência real. Ao contrário do outro castelo em Trakai, este foi construído no meio do lago, numa ilha artificial resultante da união de 3 ilhotas separadas por pântanos. Na altura, o nível da água era mais elevado, pelo que a base das muralhas exteriores estavam submersas. Com a instituição da União de Lublin em 1569, de que resultou uma república conjunta entre a Polónia e a Lituânia, Trakai perdeu relevância e o castelo entrou em declínio em consequência de guerras e de negligência, tendo evoluído rapidamente para um estado de ruína. No período soviético houve algum esforço de recuperação do castelo, mais focada em aspetos funcionais, mas só depois da independência, no final do século XX, é que se empreendeu num restauro completo.
O castelo é formado por duas zonas: um pátio exterior com edifícios de suporte (armazéns, espaço para os animais, etc.) e o palácio ducal com um pátio interior. O edifício está em bom estado de conservação e alberga várias exposições sobre o castelo e a história de Trakai.
Das várias divisões, destaca-se o salão de 200m2 com cúpulas góticas de 5m de altura que ocupa todo o primeiro andar duma das alas. Este era o espaço mais importante do castelo; aqui eram recebidos os visitantes ilustres, realeza estrangeira, etc., eram assinados tratados e alianças e eram realizadas grandes celebrações. Atualmente, este salão é usado para eventos (concertos, apresentações de livros, etc.) e continua a ser visitado por monarcas e altos representantes de outros países.
Depois de sairmos do castelo, demos uma volta pelo exterior das muralhas, apreciando a vista do lago envolvente.
O regresso a casa foi feito ao longo do lago, pela zona do clube naval que estava em grande atividade, com muitos praticantes de remo e de canoagem na água e grande movimentação nas margens.
Almoçámos em casa, onde passámos o resto do dia entre mergulhos e descanso no jardim do alojamento. Teríamos ficado ali durante vários dias sem nenhum esforço …
No final do dia, ainda tivemos a oportunidade de assistir a um pôr do sol espetacular.
dia 3 (13/7), Colina das Cruzes
Saímos de Trakai debaixo duma tempestade, com visibilidade reduzida e muitos lençóis de água. Nas últimas semanas apanhámos chuva algumas vezes tanto na Lituânia como na Polónia, todas com uma intensidade elevada, sem meio termo … De repente, parou de chover e voltou o bom tempo como se nada se tivesse passado.
O destino no final do dia era a vila de Nida, na península da Curlândia, a 3 km do exclave russo de Kaliningrado. No entanto, decidimos dar a volta grande, passando pela Colina das Cruzes no norte do país, a 20km da fronteira com a Letónia.
Antes de chegar lá, parámos para almoçar em Šiauliai, a 12km da colina. Comemos no Salomėja (5) um almoço típico da Lituânia, no meio de muitos locais que entravam e saiam a grande velocidade; claramente, fomos muito mais demorados do que o padrão instituído. Comemos sopa fria de beterraba com batatas cozidas (típico da Lituânia) e Cepalinai de carne e de requeijão. Os cepalinai correspondem aos pyzy da Polónia (pastéis de batata recheados) mas bastante maiores e em forma de zepelim, de onde vem o seu nome. A cerveja disponível (Ekstra Sviezias) era banal mas o resto estava bastante bom e transpirava a autenticidade.
A Colina das Cruzes é local de peregrinação e símbolo de resistência da Lituânia. Trata-se duma colina cheia de cruzes, estátuas e outros objetos religiosos, ali colocados a partir dos anos 30 do século XIX na sequência dum levantamento contra a ocupação russa. A população Lituana (93% cristã, de maioria católica) continuou a alimentar a ideia; atualmente, estima-se que haja mais de 100.000 cruzes, quantidade que continua a aumentar, também com o contributo de visitantes estrangeiros Durante o período soviético, a colina foi arrasada 3 vezes mas, em cada uma delas, as cruzes voltaram a aparecer em quantidade crescente.
A quantidade de cruzes, realmente impressionante, e o simbolismo do local valem bem a visita.
Na base da colina, vindo do parque de estacionamento, estão as cruzes mais recentes, sendo facilmente detetáveis umas quantas colocadas por militares portugueses. Pena é que tenham escolhido usar a língua inglesa para as inscrições. Tanto quanto nos apercebemos, as restantes inscrições estavam na língua do país de quem as colocou. Deve ter havido algum objetivo estratégico que nos escapou.
Seguimos para a península da Curlândia, uma estreita faixa de terreno ligada ao continente em Kaliningrado tem cerca de 100km de comprimento e menos de 4km de largura; dum lado fica a lagoa da Curlândia e do outro lado fica o Mar Báltico. Metade pertence à Rússia e a outra metade pertence à Lituânia. Do lado Lituano, a ligação é feita por ferry com o custo modesto de 23 Euros para um percurso de 500m, seguido de 30€ para entrar no parque natural.
Ficámos em Nida, no extremo sul da parte lituana, uma zona bastante turística com preços e restrições de acesso condizentes. O estacionamento dentro da povoação custa 2€ por hora e são poucos os parques que permitem estadas superiores a uma hora. Assim, quem não fica em alojamentos com estacionamento tem de deixar o carro fora da povoação, nas zonas de estacionamento das praias, a 3km do centro de Nida.
Pareceu-nos boa ideia ter uma experiência diferente, poupando nos custos, e dormir num barco. Lá descobrimos a embarcação em que iríamos passar as duas noites seguintes com o nome sugestivo "Jūra miške” que tem um significado triplo: pode ser traduzido como “mar na floresta” (adequado ao contexto do local), é o título dum livro sobre a vida e a natureza na Lituânia e uma expressão que simboliza algo grandioso ou surpreendente. Pura ironia, uma vez que as duas noites lá passadas foram bastante más.
O barco estava em mau estado e tinha falhas de manutenção relevantes, como o lavatório e a sanita que não funcionavam. Neste caso, tínhamos a casa de banho da marina a 150m, o que poderia ser duro em caso de chuva.
Fomos ao supermercado buscar comida e jantámos no barco. A noite foi difícil porque o nosso barco estava encostado ao do lado, havendo chiadeira sempre que roçavam um no outro; foi a noite toda nisto.
dia 4 (14/7), Nida (península da Curlândia)
Apesar da noite mal dormida, foi bastante agradável levantar cedo e sentir o ar fresco no percurso para a casa de banho, com vista para as dunas móveis. A mais famosa, duna Parnidis, fica a 1km para sul de Nida, logo depois duma mancha de pinheiros.
Estas dunas são formadas pelas areias trazidas do mar Báltico pelo forte vento ocidental. Com o passar do tempo, as dunas vão-se movendo para leste até a areia ser arrastada para a lagoa. A sua deslocação é tão potente que há aproximadamente 300 anos soterrou a antiga povoação de Nida, obrigando os habitantes a mudarem-se para a localização atual. Esta duna foi batizado como “Parnidis”, ou seja “a que passou por Nida”.
Perante a ameaça de destruição da nova povoação com a continuação do avanço da duna Parnidis, a população decidiu plantar uma barreira de pinheiros que impediu que a nova Nida tivesse o mesmo destino que a antiga. A duna para lá do pinhal continua a mover-se livremente, sendo a deslocação perceptível de ano para ano. Para preservar as dunas o mais possível, os funcionários do parque nacional instalam barreiras que limitam o movimento da areia e definem as zonas por onde os visitantes podem caminhar.
Caminhámos de Nida até ao topo da duna Parnidis, de onde se tem uma vista magnífica para sul. Dos dois lados, o Mar Báltico e a Lagoa da Curlândia; em frente, a duna Parnidis, seguida duma área interdita, com mata e outra duna que faz fronteira com a Rússia. Ainda na duna Parnidis, há uma zona com vegetação rasteira que é designada por “duna morta”, uma vez que a vegetação retém a areia não permitindo a sua deslocação.
Fizemos um pouco do percurso na duna Parnidis, no sentido dos ponteiros do relógio. Chegados perto da lagoa, decidimos descer com o objetivo de voltar para Nida à beira da água. Assim fizemos, com uma paragem para mergulhos numa pequena enseada com sombra entre duas árvores.
Seguimos à beira da água, apreciando as belas praias e as ilhas de bambu.
Nida é uma povoação muito bonita, com as suas casas típicas de madeira e o enquadramento na lagoa e na reserva natural. Apesar de ser destino turístico, não havia ocupação excessiva, talvez pelo forte controlo do estacionamento e pelos preços elevados do alojamento e dos serviços. Por exemplo, no dia da chegada parámos o carro perto da marina num parque de estacionamento, fora dos lugares marcados, enquanto percebíamos onde estava o barco. Passados poucos minutos, chegou uma viatura que pareceu ter ido lá de propósito para que um senhor com ar pouco simpático nos dissesse que não podíamos deixar o carro ali. Pareceu-nos que há ali um esquema de denúncia bem afinado.
Passámos pelo supermercado para um almoço rápido no barco, seguido duma sesta para compensar a noite mal dormida.
Depois do descanso, fomos à praia que fica a 3km, do outro lado da península. Atravessámos a mata e passámos pelo carro. Tudo muito bem organizado: praia de nudistas 2km para a esquerda (mais perto da Rússia), praia para animais 2km para a direita e praia para famílias em frente. A praia estava excelente; areia fina, muito espaço, solo plano, temperatura da água ao nível do Algarve … só faltavam umas ondinhas.
Regressados a Nida, jantámos no Tik pas Joną (nota 5) para a melhor refeição na Lituânia. Comemos sopa de peixe, enguia fumada e pargo fumado, acompanhado de pão de centeio e salada. Para beber, havia cerveja Vilkmerges balta (4) e Gira: bebida não alcoólica, típica da Lituânia, feita de pão de centeio integral fermentado que nenhum de nós apreciou.
O peixe fumado estava excelente, especialmente a enguia.
Quando saímos do restaurante, já se jogava a final do Euro 24. No caminho para o barco, já na marina, havia uns quantos vizinhos à volta de um PC a ver o jogo.
dia 5 (14/7), Nida - Vilnius
Esta noite conseguiu ser pior do que anterior. A água estava mais agitada, o que provocava choques entre barcos durante toda a noite, juntamente com a chiadeira já conhecida da noite anterior. Até o Tomás se queixou, o que atesta a gravidade da coisa.
Estava prevista uma tempestade para esta manhã. Assim, decidimos ir buscar o carro e sair rapidamente para outras paragens. Quando o Francisco saiu para a caminhada de meia hora até ao carro já chovia ligeiramente. Para evitar a lama da mata, seguiu pelo caminho mais longo, pela estrada. Logo depois de chegar ao carro, a intensidade da chuva aumentou bastante. Saímos do barco debaixo dum dilúvio, pelo que o interior do barco ficou todo molhado do bocado em que a entrada esteve aberta. Entretanto, tinha começado a pingar mesmo no sítio da almofada do Francisco, timing perfeito para sair …
Tínhamos umas quantas atividades identificadas para esta manhã, a caminho do ferry de saída da península, mas decidimos seguir diretamente em direção a Vilnius. A visibilidade era reduzida mas a estrada não tinha os lençóis de água que tínhamos apanhado dois dias antes na saída de Trakai.
Umas horas depois, deixou de chover e decidimos parar para almoçar em Raseiniai. Comemos no SiTo sushi (4): salada de salmão, gambas com molho teryaki, panado de frango com batata frita e crepe com chocolate para sobremesa. Desta vez, a cerveja era Volfas - Engelman premium sviesusis (4).
Mais umas horas para chegar ao aeroporto de Vilnius, onde entregámos o carro e apanhámos o autocarro para o centro da cidade.
Ficámos num hostel espetacular à beira do cidade velha, o Downtown Forest Hostel & Camping. Quartos bons, cozinha grande, funcional e bem equipada, espaço exterior agradável e preço simpático. Decidimos ficar por aqui no resto do dia.
dia 6 (16/7), Vilnius
Começámos o dia com uma visita guiada na cidade velha, https://www.guruwalk.com/walks/39515-free-walking-tour-discover-the-secrets-of-vilnius-old-town
O ponto de encontro foi na praça da catedral. Em posição central, está a estátua de Gediminas, o Grão-Duque da Lituânia no século XIV, fundador de Vilnius. Nesta estátua, Gediminas está de pé em frente ao seu cavalo, simbolizando a prevalência da diplomacia sobre a guerra que caracterizou a sua atuação. A espada aponta na direção do local onde foi fundada a cidade. Ainda na praça, além da catedral e da sua torre sineira, está também o palácio ducal que foi construído na base da colina onde dica o castelo. Consta que os duques se cansaram de subir a colina e mudaram-se lá para baixo …
Conhecida no século XX como a “Jerusalém do norte” pela dimensão elevada da comunidade judaica (que desapareceu em 95% durante a guerra), salta à vista a quantidade enorme de igrejas, mais de 40 só no interior da cidade velha, muitas delas imponentes. Este património resultou da ação das várias ordens religiosas que por cá passaram; todas tinham de construir a sua, de preferência maior que as outras já existentes. Nalguns casos, ficavam encostadas à vizinha, como as igrejas de Santa Ana e de São Francisco de Assis. Consta que Napoleão usou a primeira para guardar os cavalos.
Na cúpula da Igreja de São Casimiro (padroeiro da Lituânia), destaca-se a cruz lituana que mistura elementos cristãos com elementos pagãos, traduzindo o enraizamento do paganismos no último país europeu a converter-se ao cristianismo.
Outra instituição relevante em Vilnius é a sua faculdade, fundada no século XVI, é das mais prestigiadas do leste da Europa. Qualquer cidadão lituano tem o direito a uma licenciatura, um mestrado e um doutoramento sem pagar nada, direito que também se aplica a qualquer cidadão da União Europeia, desde que domine a língua. Os edifícios da universidade estão espalhados pela cidade, numa mistura de estilos, desde o gótico e renascentista até o barroco e clássico. Na visita guiada, espreitámos o pátio dos alunos (Alumnato Kiemelis), muito utilizado para concertos e outros eventos culturais, especialmente no verão.
Durante a visita guiada, passámos ainda pela República de Užupio. No dia 1 de abril de 1997, a zona ribeirinha do bairro de Užupis (que significa literalmente “do outro lado do rio”) declarou a sua independência, estabelecendo uma constituição, um exército e um governo. Conhecido por ser um centro artístico e cultural, as suas ruas estão repletas de instalações artísticas. A constituição da república está exposta numa das ruas em diversas línguas, não estando incluído o português. Os seus artigos misturam humor com elementos mais profundos e termina com os 3 artigos seguintes: 39º “Não oprimas”, 40º “Não reajas a provocações” e 41º “Não te rendas”.
Fomos caminhando até ao hostel, tendo almoçado lá perto no Burna House (nota 4). Neste restaurante de centro comercial, comemos comida local com ar de caseira: sopa de beterraba, caril de frango e panqueca de batata. A cerveja Gubernija não filtrada (comprada no restaurante ao lado) estava muito boa, confirmando a ideia do grande nível desta marca que ficou do jantar em Trakai.
Descansámos um pouco antes de voltarmos à cidade velha. Aproveitámos para revistar alguns dos locais da visita guiada da manhã, como o bastião, a igreja de S. Casimiro, algumas ruelas, a Universidade, o palácio presidencial ou a catedral. Vilnius é uma cidade cheia de espaços verdes e com uma grande quantidade de habitantes no interior da cidade velha. Os quarteirões estão organizados de forma a que os locais “públicos” estão na parte exterior (lojas, serviços, museus, igrejas, etc.) e as habitações no interior, acessíveis por passagens discretas.
Depois dum jogo de xadrez no jardim do palácio presidencial, terminámos o passeio na praça da catedral, com o sol a pôr-se por trás da torre sineira e vários balões de ar quente (atração popular em Vilnius) a completar o quadro.
Voltámos a jantar no hostel, desta vez no espaço exterior que na véspera estava ocupado com um espetáculo de stand up comedy.
dia 7 (17/7), Vilnius
A primeira atividade do dia foi a subida à torre da Igreja de São João, pertencente à universidade de Vilnius, mesmo perto duma cache descoberta no dia anterior. A Helena e o Tomás não quiseram ir, pensando que seria necessário subir de escadas. Afinal, havia a possibilidade de subir de elevador.
Na base da torre, pendurado num enorme cabo de aço, havia um pêndulo de Foucault, inventado no século XIX para demonstrar o movimento de da rotação da terra. Foi engraçado ver a alteração do ângulo de oscilação (relativamente à referência no chão) durante os minutos entre a subida e descida à torre.
A vista do topo é magnífica, dando uma perspetiva a 360° de toda a cidade.
Seguimos para a República do Užupio, tendo estado uns minutos sentados no baloiço pendurado na ponde sobre o rio Vilnia que dá acesso ao bairro.
Percorrendo o bairro à beira do rio, deparámos com várias instalações artísticas, tendo achado piada à ideia de Cristo mochileiro nas suas deambulações na Terra Santa.
Tínhamos a ideia de almoçar no Šnekutis, um pub com comida local, mas desistimos quando nos disseram que teríamos de espera 45 minutos. À entrada do pub estava uma imagem de Putin formada com micro fotografias dentro do tema do trocadilho da palavra “dicktator”, escrita em letras garrafais.
Acabámos por almoçar no AgniFood (5), restaurante vegan, onde comemos sopa minestrone e crepes vegan, acompanhados de kombucha, tudo numa esplanada com um enquadramento muito zen.
Ainda fomos espreitar a porta da Aurora, única entrada das muralhas da cidade velha que se mantém. No lado dentro, há uma capela dedicada à Virgem Maria que é lugar de peregrinação; àquela hora estava a acontecer uma celebração bem audível na rua.
Voltámos para o hostel, onde tínhamos que lavar roupa, e aproveitámos para comprar o farnel para o dia seguinte.
Depois de cumprir estas obrigações, o Francisco foi o único com vontade para cumprir o resto do plano, tendo feito o “percurso das 3 colinas”, designação da nossa autoria. A ideia inicial era ir ao Palácio ducal e ao castelo mas teve de ser ajustada porque o palácio estava quase na hora de fecho. Assim, passou-se logo à subida do castelo que está em ruínas mas que permite umas belas vistas da cidade. Era possível subir às torre mas os 8€ do bilhete anularam a pouca vontade de subir mais uma mão cheia de degraus.
Do castelo, consegue-se uma boa vista da colina das cruzes, que foi local seguinte a ser visitado depois de subir mais de 300 degraus a partir do lado do rio. No século XVI, foram colocadas 3 cruzes de madeira no topo desta colina em memória de 14 frades franciscanos que foram aqui martirizados. No século XIX, as autoridades russas não autorizaram a recuperação das cruzes que se tinham degradado com o passar dos anos. Só no final da Segunda Guerra Mundial, foi possível fazer essa recuperação, tendo as cruzes originais sido substituídas por cruzes de betão. No entanto, estas foram destruídas durante o período soviético e apenas depois de nova restauração da independência (em 1989) é que as cruzes de betão foram recolocadas neste local.
Nova descida em direção ao hostel, seguida de mais uma colina que estava no caminho, a colina de Altana. Do outro lado desta colina, fica o bairro antigo de Užupio, de que a República de Užupio ocupa apenas uma pequena parte. Aparentemente, este bairro tem vindo a ser recuperado com a explosão de um urbanismo moderno muito bem enquadrado com o rio e com os espaços verdes nas suas margens que substitui o ambiente fabril e degradado de há não muitos anos. Aquela hora, com o sol quase a pôr-se, pairavam inúmeros balões que completavam o quadro de forma perfeita.
Voltámos a jantar no espaço exterior do hostel para a despedida de Vilnius.
dia 8 (18/7), Vilnius - Riga
Apanhámos a camioneta para Riga às 10:45 para mais uma mudança de país com duração prevista de 5 horas.
6. Curiosidades
Vê-se muitas bandeiras da Ucrânia, mais do que em qualquer outro dos países visitados nesta viagem. Foi também na Lituânia que ouvimos (da guia da visita guiada em Vilnius) que os lituanos vivem assustados com a Rússia. Nos outros países, ouvimos alguns comentários irónicos sobre a Rússia, mas só aqui o medo foi verbalizado.
A Lituânia tem duas bandeiras nacionais: uma com origem no período medieval, usada como a bandeira do Reino e do Grão-Ducado da Lituânia, com um leão dourado sobre um fundo vermelho (representando a força e a coragem) e outra, utilizada nos períodos depois de domínio russo (1918) e soviético (1990), com faixas horizontais amarela, verde e vermelha que representam o sol, a floresta e o sangue. Na nossa perceção, a primeira é bastante mais usada do que a segunda.
Os lituanos (e, pelo que percebemos, os letões os estónios também) detestam a designação “Países Bálticos”, por ter sido introduzida pela Rússia para designar a zona do seu império que lhe dava acesso ao Mar Báltico.
Nas casas de banho do hostel em Vílnius havia livros, provavelmente deixados pelos hóspedes. Entre outros, havia um em português das Publicações Europa América e um bibliografia da Universidade de Vilnius com os artigos académicos produzidos desde a década de 20 do século XX até ao início do século XXI, com a exceção curiosa de todo o período soviético … Ou não houve produção durante estas 4 décadas ou alguém decidiu excluí-la.